A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, 18 de novembro de 2025, uma emenda que elimina por completo o direito de voto de qualquer pessoa detida — seja condenada com sentença definitiva ou apenas em prisão provisória. O texto, proposto pelo deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), foi aprovado por 349 votos a favor, 40 contra e uma abstenção. Agora, o projeto segue para o Senado Federal, onde enfrentará análise na Comissão de Constituição e Justiça e, depois, em plenário. Se aprovado, a medida será encaminhada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para sanção. É um giro radical: até hoje, a Constituição brasileira garantia que apenas quem tinha sentença transitada em julgado perdia o direito de votar. A partir de agora, mesmo quem ainda não foi julgado pode ser privado da cidadania política — e isso muda tudo.
Um contrassenso, dizem os críticos
Marcel Van Hattem, ex-prefeito de Rolante e deputado desde 2019, justificou a mudança com uma frase que viralizou: "Não faz sentido o cidadão estar afastado da sociedade, mas poder decidir os rumos da política do município, do estado ou do Brasil. Preso não pode votar. É um contrassenso, chega a ser ridículo." Mas o que ele chama de "contrassenso" é, para muitos juristas e defensores de direitos humanos, a violação de um pilar da democracia: a presunção de inocência. A Constituição de 1988, em seu artigo 15, sempre protegeu o voto de presos provisórios — justamente porque ninguém é considerado culpado até que todos os recursos se esgotem. E isso não é só uma regra brasileira. É um padrão internacional, ratificado pelo Pacto de San José da Costa Rica, que o Brasil assinou em 1992.
A emenda dentro do "PL Antifacção"
A proibição do voto não veio sozinha. Ela é parte de um pacote maior, batizado de "PL Antifacção" — oficialmente, o Marco Legal do Combate ao Crime Organizado. O projeto original do governo focava em penas mais duras para facções criminosas. Mas o relator, deputado Marcel Van Hattem, expandiu o texto para incluir quase tudo o que se pode imaginar: crimes como "novo cangaço", domínio territorial por gangues, uso de drones e explosivos contra infraestrutura, e até a criminalização de quem "dá abrigo, armas ou mensagens de apoio" a esses grupos. O texto também cria o delito de "domínio social estruturado" — uma definição que abrange milícias, facções e grupos paramilitares. Além disso, líderes de organizações criminosas serão obrigatoriamente encarcerados em presídios federais de segurança máxima, sem chance de progressão de regime, anistia ou perdão. Empresas que recebem bens roubados podem ter seus CNPJs suspensos. É um pacote de ferro — e o voto é só a ponta do iceberg.
Quem será afetado? Os números não mentem
Segundo dados do sistema prisional de Mato Grosso do Sul, 4.241 pessoas presas provisoriamente — ou seja, sem condenação final — seriam diretamente afetadas pela nova regra. Em todo o Brasil, o número é muito maior: cerca de 300 mil detentos estão nessa situação. Eles não são apenas bandidos. São homens e mulheres que aguardam julgamento, muitos por anos, em condições desumanas. Alguns são inocentes. Outros, talvez não. Mas o sistema não os julgou ainda. Tirar o voto deles é como dizer: "Você é culpado antes do julgamento." E isso assusta juristas. "É um retrocesso que transforma a prisão provisória em uma pena política", diz a professora de direito constitucional Dra. Beatriz Mendes, da USP. "O voto não é um prêmio. É um direito fundamental. Se você o retira por causa da detenção, você está criando uma nova classe de cidadãos de segunda categoria."
Reação política: acusações de motivação eleitoral
Logo após a votação, o ex-senador e deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) disparou: "Essa emenda passa a impressão de que o Novo abandonou o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro e a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), ambos presos provisoriamente." A acusação é incisiva: Bolsonaro está preso desde julho por investigações sobre o golpe de Estado de 8 de janeiro, e Zambelli, por suposta obstrução de justiça. Tirar o direito de voto de presos provisórios, nesse momento, pode ser visto como um ataque político — e não apenas um ajuste legal. A própria Câmara, que aprovou o texto, é a mesma que, em 2023, rejeitou propostas semelhantes por considerá-las inconstitucionais. O que mudou? O clima político. E a pressão por "segurança".
Consequências reais: o voto que não se vê
Na prática, o impacto pode ser sutil, mas profundo. Em cidades com altos índices de prisão provisória — como São Paulo, Rio de Janeiro e Recife —, a ausência de votantes detidos pode alterar resultados eleitorais locais. Em bairros populares, onde a população carcerária é alta, o voto dos presos provisórios era, muitas vezes, um contrapeso à influência de políticos ligados a milícias ou tráfico. Agora, esse contrapeso some. "O problema não é bandido votar… o problema real é que votamos em bandidos", escreveu um leitor em um fórum popular. É uma frase dura, mas que aponta para uma verdade incômoda: o sistema eleitoral brasileiro já é corroído por figuras com passado criminoso. Tirar o voto de quem está preso não resolve isso. Só o esconde.
O que vem a seguir? O Senado e o risco de inconstitucionalidade
O próximo passo é o Senado Federal. Lá, o projeto enfrentará a CCJ e depois o plenário. Mas há um grande obstáculo: o Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2021, o tribunal já afirmou que a presunção de inocência é cláusula pétrea. Tirar o voto de presos provisórios pode ser declarado inconstitucional — e o STF já tem um histórico de derrubar leis que violam direitos fundamentais, mesmo quando populares. O presidente Lula, que tem histórico de defesa dos direitos humanos, pode vetar o projeto. Mas se assinar, será o primeiro presidente a sancionar uma lei que nega o voto a quem ainda não foi condenado. Um precedente perigoso.
Um legado de medo, não de justiça
Essa mudança não é sobre justiça. É sobre medo. Medo da violência. Medo das facções. Medo de que o eleitorado carcerário possa influenciar eleições. Mas a democracia não se fortalece ao silenciar vozes. Ela se fortalece ao incluir — mesmo as mais incômodas. A Constituição de 1988 foi feita para proteger os mais fracos. Não para punir antes do julgamento. E agora, o Brasil está prestes a romper com isso. Sem debate profundo. Sem consenso. Apenas com números de votos.
Frequently Asked Questions
Quem perde o direito de voto com essa nova lei?
Com a aprovação da emenda, todos os presos — tanto os condenados com sentença definitiva quanto os presos provisórios — perderão automaticamente o direito de votar. Até então, apenas os condenados em sentença transitada em julgado tinham o voto cassado. A mudança afeta cerca de 300 mil pessoas no Brasil, incluindo 4.241 em Mato Grosso do Sul, segundo dados do sistema prisional estadual.
Por que essa mudança é controversa?
Porque viola a presunção de inocência, garantida pela Constituição de 1988 e por tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como o Pacto de San José da Costa Rica. Tirar o voto de alguém que ainda não foi julgado é considerado por juristas como uma punição antecipada, e não uma medida de segurança. Isso pode abrir caminho para abusos políticos, especialmente em contextos de perseguição judicial.
O que acontece se o Senado aprovar e o presidente sancionar?
A lei entrará em vigor, mas provavelmente será contestada no Supremo Tribunal Federal. O STF já declarou em decisões anteriores que a presunção de inocência é cláusula pétrea, e pode derrubar a nova regra por inconstitucionalidade. Ainda assim, a simples aprovação da lei pode criar um efeito de normalização, dificultando futuras resistências e alimentando discursos autoritários.
Essa lei afeta eleições locais?
Sim. Em municípios com alta taxa de prisão provisória — como periferias de São Paulo, Rio e Recife —, o voto dos detentos era um fator de equilíbrio contra políticos ligados a milícias ou tráfico. A exclusão desses eleitores pode distorcer resultados eleitorais, favorecendo candidatos que já dominam o poder local, sem oferecer alternativas reais à população carcerária.
Existe algum precedente internacional nesse tipo de medida?
Na maioria das democracias avançadas — como Alemanha, Canadá e França —, apenas condenados com sentença definitiva perdem o direito de voto, e mesmo assim, em alguns países, isso é limitado a crimes específicos. Nos EUA, a regra varia por estado, mas muitos não tiram o voto de presos provisórios. O Brasil, até hoje, era um dos países da América Latina com a norma mais protetora. Essa mudança o coloca em rota de colisão com padrões internacionais de direitos humanos.
Como os presos provisórios votavam antes dessa lei?
Eles podiam votar por meio de urnas especiais instaladas nas unidades prisionais ou por meio de voto em trânsito, se estivessem em regime aberto ou semiaberto. O processo era burocrático, mas funcional. Em 2022, cerca de 12 mil presos provisórios votaram nas eleições. A nova lei extinguirá esse mecanismo, sem oferecer alternativa, o que pode ser visto como uma forma de apagamento político.