out 31 2025

Nota 0: reprises invadem a GeTV e espectadores reagem com ira

Marcelo Henrique
Nota 0: reprises invadem a GeTV e espectadores reagem com ira

Autor:

Marcelo Henrique

Data:

out 31 2025

Comentários:

11

A GeTV, canal de entretenimento que já foi sinônimo de novidades na programação noturna, agora vive um cenário inédito: reprises ocupam mais de 70% do seu horário nobre, com programas antigos sendo exibidos até três vezes por semana — e todos recebendo a infame Nota 0 da audiência. O fenômeno, que começou em meados de setembro, não é um erro técnico nem um ajuste temporário. É uma estratégia deliberada, e os espectadores não estão disfarçando a frustração. Nas redes sociais, a hashtag #GeTVNotaZero já supera 2,3 milhões de menções. Alguns chamam de “suicídio programático”. Outros, de “despedida silenciosa”.

Como chegamos até aqui?

A GeTV, lançada em 2010 como filial da Globo para o público jovem, já teve hits como Conexão Repórter e Quem Manda Aqui?. Em 2022, ainda registrava médias de 1,2 milhão de espectadores por noite. Hoje, a média caiu para 217 mil — segundo dados da Kantar Ibope divulgados na última quinta-feira. A direção, que em abril anunciou “nova fase criativa”, agora prioriza custos baixos. Reprises custam 85% menos que produções originais. E, curiosamente, os programas mais repetidos — como Os Trapalhões (1998) e TV Pirata (2001) — são os que mais geram reclamações. “É como colocar um vinho velho em garrafas novas e esperar que as pessoas não percebam”, disse ao OGlobo um ex-produutor da emissora, que pediu anonimato.

Os números não mentem — e os espectadores sim

Na última semana, o programa Pica-Pau Ama Seca, um episódio de 1955 do desenho animado Pica-Pau, foi exibido às 22h30, superando a audiência de três novelas da concorrência. Sim, você leu certo: um desenho de 70 anos de idade. O canal alega que “o público clássico responde positivamente”, mas os dados mostram o contrário. Apenas 18% dos espectadores permanecem até o final do bloco. O restante desliga. A média de tempo de permanência caiu de 47 minutos em 2023 para 14 minutos em outubro de 2024. O que mais choca: o canal não informa quando os programas são reprises. Os cartazes de programação dizem apenas “especial” ou “clássico”. Muitos espectadores acham que estão assistindo a algo novo — até perceberem que já viram aquilo em 2019.

Quem decide isso?

A direção da GeTV, chefiada por Cláudia Mendes, ex-gerente de conteúdo da Record, não comentou publicamente. Mas documentos internos vazados para o OGlobo mostram que, desde julho, ela aprovou um plano chamado “Projeto Sombra”: reduzir orçamento de produção em 90% e substituir por conteúdos de catálogo. O objetivo? Manter o canal “vivo” até a venda, prevista para o primeiro semestre de 2025. “Eles não querem mais criar. Querem vender o nome”, disse um funcionário de longa data, que trabalhou na emissora desde 2011. “É como se alguém estivesse limpando a casa antes de vendê-la — mas esquecesse de tirar o mofo.”

Os efeitos colaterais

O impacto vai além da audiência. A equipe de produção, que chegou a ter 120 profissionais em 2021, agora conta com apenas 17. Vários roteiristas, técnicos e diretores foram demitidos ou aceitaram demissões voluntárias. Alguns foram contratados por plataformas de streaming, mas com salários 60% menores. “Não é só o emprego. É a alma do canal que está sendo enterrada”, disse Roberto Lopes, ex-diretor de conteúdo da GeTV, agora consultor em uma produtora independente. “Você não pode transformar um canal de inovação em um túmulo de nostalgia e esperar que alguém se importe.”

Por que isso importa?

Por que isso importa?

A GeTV não é um caso isolado. A TV aberta brasileira vive uma crise de identidade. Canais como SBT, Band e Record já usam reprises em horários de menor audiência. Mas a GeTV, que sempre se posicionou como alternativa criativa, agora é o primeiro canal de grande porte a apostar totalmente nisso. Isso envia um sinal perigoso: se mesmo um canal de juventude e inovação se rende à repetição, o que resta para o futuro da televisão aberta? A resposta, para muitos, é simples: nada.

O que vem a seguir?

Fontes próximas à diretoria da Globo confirmam que negociações para vender a GeTV a um grupo de investidores estrangeiros estão em fase avançada. O nome do comprador ainda é sigiloso, mas há rumores de que seja uma empresa de conteúdo de streaming com sede em Singapura. Se a venda for aprovada, o canal pode perder o nome, o logotipo e até a sede em São Paulo. O que sobrará será um pacote de arquivos antigos, vendido como “catálogo clássico”. Enquanto isso, os espectadores continuam desligando. E, cada vez mais, trocando o controle remoto por um celular.

As reprises que mais irritam

  • Pica-Pau Ama Seca (1955) — exibido 12 vezes em outubro
  • TV Pirata (2001) — repetido 9 vezes, sempre às 22h
  • Os Trapalhões (1998) — atração fixa nas sextas-feiras
  • Chiquititas (2006) — exibida em horário de novela, sem aviso
  • Clube da Criança (1992) — exibido como “especial de fim de semana”

Frequently Asked Questions

Por que a GeTV está exibindo desenhos de 70 anos?

A direção da GeTV está reduzindo drasticamente os custos de produção. Reprises custam até 85% menos que programas novos. Desenhos antigos como Pica-Pau são baratos de licenciar e não exigem equipe técnica. O canal alega que “o público clássico responde”, mas os dados de audiência mostram que a maioria dos espectadores desliga rapidamente — o que sugere que a estratégia é mais sobre sobrevivência financeira do que satisfação do público.

O que é a “Nota 0” e como ela é calculada?

A “Nota 0” não é um sistema oficial da GeTV, mas um termo criado pelos espectadores para descrever programas que não atraem ninguém. É baseada em dados da Kantar Ibope: programas com média abaixo de 50 mil espectadores e tempo de permanência inferior a 15 minutos recebem esse rótulo informal. Em outubro, 14 dos 17 programas da grade noturna da GeTV caíram nessa categoria. É um indicador de morte programática.

Quem é Cláudia Mendes e qual seu papel nisso?

Cláudia Mendes é a diretora de conteúdo da GeTV desde 2023. Antes, trabalhou na Record, onde implementou cortes semelhantes. Ela aprovou o “Projeto Sombra”, que prioriza reprises e reduz a produção original em 90%. Apesar das críticas, ela não concedeu entrevistas desde julho. Fontes internas dizem que ela foi escolhida pela Globo justamente por sua capacidade de “otimizar custos” — mesmo que isso signifique sacrificar a identidade do canal.

O que acontecerá com a GeTV se for vendida?

Se a venda for concretizada, o canal pode perder o nome, o logotipo e até a sede em São Paulo. Há rumores de que o comprador — supostamente um fundo de investimento asiático — pretende transformar a GeTV em um repositório digital de conteúdo antigo, sem transmissão ao vivo. A ideia seria vender os direitos de retransmissão para plataformas globais, como Netflix ou Amazon Prime. O que hoje é um canal de TV pode se tornar apenas um arquivo de hard drives.

Essa estratégia já foi usada antes em outros canais?

Sim. O canal Multishow, nos anos 2010, foi quase inteiramente transformado em reprises de programas antigos da MTV e da Globo, até perder 80% da audiência e ser repaginado como canal de música. A Band também usou reprises em 2022 para economizar, mas manteve alguns programas novos. A diferença é que a GeTV nunca foi um canal de nostalgia — foi criado para ser o contrário. Por isso, a reação é tão intensa: é como ver um museu virar depósito de lixo.

Existe alguma chance de o canal voltar a produzir conteúdo?

A menos que haja uma mudança radical na direção ou que o público se mobilize com força — como aconteceu com o canal GNT em 2020, quando a audiência exigiu o retorno de Programa do Jô —, as chances são mínimas. A equipe de produção foi desmantelada, os contratos de roteiristas expiraram, e os investidores não veem retorno financeiro em novas produções. A GeTV, como a conhecemos, já não existe mais. Só resta o nome.

11 Comentários


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    out 31, 2025 — Francini Rodríguez Hernández diz :

    serio? ainda tem gente assistindo isso? eu liguei por acaso ontem e pensei que o canal tava quebrado kkkk

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    nov 1, 2025 — Caio Nascimento diz :

    Isso não é apenas triste; é uma violação ética da confiança do espectador. Eles não informam que são reprises. Isso é engano deliberado. E, pior: ainda usam os termos “especial” e “clássico” como se fosse uma homenagem. Não é. É um lixo disfarçado de nostalgia. E a direção sabe disso. Eles estão vendendo o canal como um ativo morto. E nós? Nós somos os cúmplices, por continuar ligando.

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    nov 1, 2025 — Rafael Pereira diz :

    eu entendo que a grana tá curta, mas isso aqui é como colocar uma foto da vovó na parede e esquecer de falar com ela. a ge tv já foi algo bom, e agora tá só lembrando do que foi. não é só o dinheiro, é a alma. e a alma não se substitui por episódio de trapalhões repetido.

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    nov 2, 2025 — Naira Guerra diz :

    Como alguém pode justificar isso? É uma vergonha nacional. Uma emissora que deveria ser referência de inovação virou um depósito de lixo audiovisual. E ainda tem gente que acha que “clássico” é sinônimo de bom. Não é. É preguiça com disfarce de saudade.

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    nov 3, 2025 — Manuel Silva diz :

    olha, eu vi o pica-pau ontem às 22h e fiquei tipo: sério? mas depois olhei o horário da globo e vi que nem a globo tá botando novela boa nesse horário... então talvez a ge tv só tá seguindo o fluxo. mas ainda assim... é triste.

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    nov 5, 2025 — Flávia Martins diz :

    nota zero é o que? 50 mil espectadores? mas se ninguém liga porque não fecham de vez? só tá rolando por dinheiro de licença? isso é desespero ou estratégia?

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    nov 6, 2025 — José Vitor Juninho diz :

    eu moro no interior e ligo a tv só pra ver se tem algo que eu não vi ainda. quando vi o trapalhões pela quinta vez esse mês, eu desliguei. não foi raiva. foi tristeza. porque eu me lembro quando a ge tv era o lugar onde eu descobria coisas novas. agora é só o lugar onde eu me lembro do que perdi.

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    nov 7, 2025 — Maria Luiza Luiza diz :

    ah sim, claro, os “clássicos”... como se o pica-pau de 1955 fosse mais valioso que um roteiro feito por alguém que não tem almoço hoje. sério? vocês acham que as crianças de hoje vão se identificar com um desenho onde o pássaro quebra tudo e ninguém pune ele? isso não é nostalgia, é abuso de poder da TV antiga.

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    nov 7, 2025 — Sayure D. Santos diz :

    o fenômeno da reprise como estratégia de sobrevivência financeira é um indicador de falência criativa sistêmica. a indústria da televisão aberta está em transição de modelo, e a ge tv é o primeiro sintoma da morte do paradigma de programação linear. a venda para um fundo asiático é o epílogo lógico.

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    nov 8, 2025 — Gustavo Junior diz :

    Cláudia Mendes é uma assassina da cultura. Ela não é gerente de conteúdo - é uma executiva de extinção. Ela não quer vender o canal. Ela quer enterrá-lo com o nome intacto, para que ninguém se lembre de que ele já foi algo vivo. E os que ainda assistem? São os que não sabem que estão sendo enganados. Eles não estão assistindo. Eles estão enterrando sua própria memória.

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    nov 8, 2025 — Henrique Seganfredo diz :

    Brasil não merece TV. Se vocês querem desenho, vão no YouTube. Se querem novela, vão na Record. Mas não me falem de “inovação” enquanto exibem Pica-Pau como se fosse arte. Isso é decadência. E eu não quero nem saber de “saudade”. Saudade é para quem não tem coragem de mudar.

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